23 de janeiro de 2020.

O impacto da reforma tributária no setor de locação de imóveis

Não é de hoje que se discute a implementação de um imposto único no Brasil, como já aplicado, desde meados da década de 90, em países europeus, o qual substituiria tributos incidentes sobre bens e serviços e, ainda, se aplicaria a atividade de locação de imóveis, quando realizada por empresas.

Atualmente, é frequente se deparar com pessoas jurídicas que exploram a locação de imóveis, uma vez que a carga tributária para tal atividade é mais vantajosa em relação àquela cobrada de pessoas físicas.

Melhor explicando, a tributação de imposto de renda para a pessoa física que aufere mais de R$ 4.664,68 por mês pode atingir o teto da alíquota, qual seja, 27,5%.

Já a empresa que desenvolve como atividade empresarial a locação de imóveis não está sujeita à incidência de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ou Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e não pode optar pelo regime do Simples Nacional, conforme estabelecido na Lei complementar nº 123. Por este motivo, a maioria destas empresas opta pelo regime do Lucro Presumido.

Neste regime, entende-se que 32% da totalidade da receita cuida de lucro e sobre esta porcentagem incide o imposto de renda da pessoa jurídica, com alíquota entre 15% a 25%, a depender do faturamento da empresa, bem como Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), com alíquota de 9%.

Se considerarmos que a empresa contabiliza lucro mensal maior que R$ 20.000,00, ela atingirá o teto do imposto de renda (25%), que somado à CSLL, de 9%, corresponderá à porcentagem de 34% sobre o lucro, ou seja, um total de 10,88% em relação à receita contabilizada.

Após o pagamento do PIS e Cofins (3,65% somados) o valor dos impostos será totalizado em 14,53% da receita da empresa. Neste sentido, vemos uma grande diferença entre o valor pago pela pessoa física (27,5%) e o valor pago pelas pessoas jurídicas que alugam imóveis. Este é um dos principais motivos para o aumento considerável no número de empresas que atuam com locação de imóveis.

Contudo, atualmente, há duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC), notadamente as PECs 45/2019 e 110/2019, que propõem a alteração do Sistema Tributário Nacional, tendo como principal objetivo a simplificação e a unificação da tributação sobre a produção e a comercialização de bens e a prestação de serviços, base tributável compartilhada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Ambas as propostas contêm suas  particularidades, todavia possuem pontos comuns, como a extinção de diversos tributos, dentre eles, o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, bem como a criação de um tributo único que segue a sistemática do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), com alíquota estimada entre 25% e 27%[1].

Além disso, de acordo com as referidas PECs, a base de incidência do aludido imposto inclui a locação de bens imóveis, razão pela qual as locações passariam a se sujeitar à tributação sobre o consumo introduzida pelo IVA.

Neste caso, podemos considerar que a tributação da atividade de locação por empresas sofreria um aumento sensível, o que poderia causar significativas consequências para o setor.

Isto porque, a compra de imóveis para locação é um investimento que, atualmente, possui tratamento semelhante aos investimentos financeiros, tais como o CDB, LCI, LCA, dentre outros, que possuem tributação aproximada de 15%, ou seja, muito semelhante aos 14,53% efetivamente cobrados nas locações.

Como se vê, a diferença de tributação da locação e do investimento financeiro é tão pequena que não é motivo determinante para a escolha da modalidade de investimento pelo empresário. Entretanto, havendo a alteração do Sistema Tributário Nacional e o consequente aumento da tributação das locações de imóveis, pode-se imaginar um desequilíbrio nos investimentos, uma vez que a tributação inferior seria um atrativo para a escolha pelo investimento financeiro.

Com efeito, é de se esperar que as empresas optem por investir sua receita em aplicações financeiras, deixando de lado o investimento produtivo de compra de imóveis para locação.

Diz-se investimento produtivo, pois a locação de imóveis, nos dias de hoje, é responsável pelo melhor desenvolvimento de bairros e geração de empregos diretos e indiretos, fazendo o consumo local aumentar e a economia circular, o que não acontece com as aplicações financeiras, ainda mais em um ambiente marcado pelos juros baixos como vivemos.

Assim sendo, o aumento na carga tributária da atividade empresarial de locação de bens imóveis poderia decretar o fim desta neutralidade existente entre a tributação de investimentos, reduzindo a competitividade de quem atua no setor locatício.

Como consequência do aumento do imposto, as empresas locadoras repassariam parte do valor do novo imposto aos locatários, aumentando o valor dos aluguéis. Tal medida, invariavelmente, afetaria todo setor imobiliário, haja vista que famílias acabariam por buscar opções mais módicas de moradia, como imóveis em regiões mais periféricas em detrimento das regiões mais centrais das cidades.

Ou seja, além de quebrar com a neutralidade existente na tributação de investimentos, temos que a medida poderia, mesmo que indiretamente, contribuir com a periferização das famílias, especialmente das mais vulneráveis economicamente, o que ensejaria ainda a perda de qualidade de vida, uma vez que regiões centrais oferecem maiores oportunidades de emprego, melhores escolas, melhores hospitais, maior facilidade de acesso e melhor infraestrutura cultural.

Ignorar a discrepância na tributação dos investimentos, bem como a importância de investimentos em compra e locações de imóveis, pode causar impactos sociais graves, sendo certo que não tomar conhecimento destas consequências demonstra verdadeiro descolamento da realidade que o país enfrenta.

Assim, espera-se que, nas discussões acerca das propostas de alteração do Sistema Tributário Nacional, sejam levadas em consideração todos os efeitos do aumento abrupto da tributação sobre empresas que desenvolvem a de locação de imóveis como atividade empresarial.

Por estes motivos, entende-se que a atividade de locação de imóveis não deve estar inclusa na incidência do IVA, visando a manutenção do equilíbrio existente entre a tributação de investimentos financeiros e de locação, a fim de que não sejam gerados efeitos negativos na esfera econômica e social do país.  

[1] Estudos recentes apontam que a alíquota do IVA deverá ser de 27% para que não haja redução ou aumento na arrecadação do Estado.


Caio Almeida Marques

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